Eram irmãos. Mas tão parecidos e diferentes
como só irmãos sabem ser de fato.
Eu estava com dezoito anos, quando
conheci o Victor. Ele também tinha a mesma idade. Naquela época, 1984, o
Scorpions dominava a cena do rock. E o Victor queria ser roqueiro. Tinha uma banda de
rock em que ele era o vocalista. E fazia muito sucesso entre as meninas do
bairro.
Vinicius eu conheci depois. Quase nem
parava em casa, ficava o tempo todo na casa de um tio, que também era seu
padrinho, em outro bairro mais afastado. Meeeeu Deus! O que foram aqueles
irmãos na minha vida!!!
Victor tinha uma banda, os ensaios, os
showzinhos. Não ligava a mínima para mim, que vivia arrastando um bonde por
ele. Já Vinicius, nos seus dezessete anos, era tão sério, embora adorasse
fliperamas. Queria terminar o segundo grau e arranjar um emprego.
Quando me viu, apresentada pela mãe deles, Vinicius já foi logo me chamando para sair. Queria
me levar ao fliperama! Mas percebendo que dera uma “mancada”, quando soube que eu fazia faculdade já, me convidou para
ir ao cinema.
Victor nunca tinha me chamado para sair,
nem mesmo para assistir seus shows, nem os ensaios. Nada. E eu era louca por
ele. Arrastava um bonde por ele.
Quer saber?
Vou sair com Vinicius sim.
E fui.
Era uma noite chuvosa, meio friorenta.
Acho que junho. Ou julho, já não me lembro mais. Vimos um “filme cabeça”, que
ele jurou ter adorado: E La nave va, de Fellini. Quando voltamos, havia uma
tempestade caindo no meio da rua. Raios e trovões nos céus. Foi quando ele me
encostou em um dos carros parados na rua e começamos a nos beijar,
completamente encharcados, pois o único guarda-chuva que levamos mal dava para um.
Senti aquele volume sob a calça dele bem
encostado em mim, e não acreditei que aquilo tudo era ele mesmo. Foi um beijo
longo, intenso, com raios servindo de pano de fundo. Então, passei um bom tempo
achando que a música do Lobão tinha sido feita sob medida para aquele beijo do
Vinicius:
“Ainda me lembro daquele beijo, spank
punk violento, Iluminando o céu cinzento...”
Foi mais ou menos assim.
Mas aquele volume encostando teimosamente
em mim me assustou um pouco e quis ir logo para casa.
Quando chegamos, passamos por Victor,
todo vestido de branco, saindo de mãos dadas com uma namorada. A caminho de
algum show, era claro.
Oi.
Oi.
Era tudo muito confuso. Victor não
queria nada comigo, pelo menos aparentava isto. Vinicius queria tudo comigo, e
eu indecisa, entre os dois irmãos.
Até que, uma noite, eles brigaram feio.
Por minha causa. Do nada.
Não lembro mais como foi, quando vi, os
dois estavam atracados, se esmurrando, bem na porta da minha casa.
Falei para o Vinicius que era melhor ele
ir embora, nunca mais voltar.
Falei para o Victor que eu ia embora,
nunca mais ia voltar.
E fui.
Fiz uma viagem em que fiquei três meses
perambulando pelo nordeste, em casa de parentes.
Quando voltei, o ano já tinha virado. Era uma tarde quente de março de 1985, quando eu e o Victor nos reencontramos. Ele me levou ao estúdio onde aconteciam os ensaios. Eu nem podia
acreditar. Passara tanto tempo querendo isto, e agora, simplesmente,
finalmente, acontecia.
Mas não era hora de ensaio nenhum. O local
estava vazio. Na verdade, estavam desocupando o salão, que era alugado, e pouca
coisa ainda restava por lá.
Mas tinha um velho colchão num canto, e
foi para lá que fomos, ansiosos e medrosos.
Foi a minha primeira vez.
E o que dizer daquele sonho realizado?
Victor me deitou no colchão, tão
delicadamente que quase chorei de tanta felicidade. Então deitou-se devagar
sobre mim e me perguntou se estava incomodando.
Claro que não.
Eu não parava de beijá-lo. Agarrava seus
cabelos cacheados, meio encharcados de suor. E mordia seu queixo, a bochecha, o
nariz. Lambia suas pálpebras cerradas. Até hoje não entendo por quê, mas foi
assim que fiz. Ele estava sem camisa, somente de calção, sem cueca por baixo. Eu
já nem lembro se já estava sem roupa alguma, ou apenas semi nua, quando ele começou
a me penetrar.
Doía. E era bom, infinitamente bom. Ele tapou
minha boca com umas das mãos, mas eu nem pensava em gritar. Comecei a lamber a
palma de sua mão, e ele botou os dedos dentro de minha boca, que eu sugava
desesperada. Depois, tirou os dedos molhados e foi ajudando na “tarefa” lá
embaixo, afastando com os dedos os grandes lábios para conseguir me penetrar. Pronto.
A tarefa foi muito bem cumprida. Estávamos ambos realizados. Ficamos um tempo
deitados no colchão, fumando e nos olhando, ainda meio descrentes, talvez.
Nunca chegamos a namorar, daquele tipo
que vai ao cinema, toma sorvete, anda de mãos dadas. Mas quando nos
encontrávamos, era um furor tal, que ficávamos totalmente sem palavras. Simplesmente
grudávamos um no outro, e era difícil separarmos.
Não combinávamos nada. Andávamos como
cão e gato pelas ruas, ao deus-dará. E quando nos víamos, pronto, ninguém
segurava.
Isto durou até 1987. Até lá, eu já havia
conhecido o Celso, o pintor de quadros, e sim, durante uns seis meses, estive
envolvida com Celso e Victor, que simplesmente não deixava minha cabeça em paz.
Uma noite, andando na rua, sem saber se
ia para o ateliê do Celso ou tentar “esbarrar” em Victor, de repente tropecei
em um pedra. Na verdade, um imenso pedregulho, que chegou a machucar meu pé.
Fui para casa. Debaixo do chuveiro
fumegante, decidi: não quero saber de Celso, chega de Victor.
Anos depois, digo, três décadas depois,
procuro na internet alguma notícia dos três: Celso, Victor, Vinicius. Horroriza-me
a total falta de informações na internet – a internet! Mas insisto, e a duras
penas encontro o nome de Celso. Parece que vive recluso em um sítio, casado,
com filhos e até netos, pintando pacatamente seus quadros. Também dá aulas de pintura, pelo que pude
entender. Victor eu achei numa lista de nomes de há uma década atrás, de um
concurso público. Aparentemente, tornou-se um burocrata. E só.
Não tinha notícias de Vinicius. Nada. A internet,
um túmulo.
Até que me lembrei que, pouco antes de
por fim à história com Victor, tinha ficado sabendo que Vinicius tivera tido um
filho com uma mulher com quem juntara os panos, estavam muito bem, obrigado. E num
dia em que fui visitar a mãe deles, que continuava minha amiga depois de tudo,
adivinha quem estava lá, com a mulher e o menino tão fofo, lindo como o pai????
Naquele dia, soube que o nome do menino era uma mistura do nome do pai e da mãe, que chamava Sonia, com "Junior" no final. Sim, eu me lembrava perfeitamente. O menino se chamava "Vinison". Então, simplesmente digitei
o nome completo do filho do Vinicius.
E soube toda a verdade. O filho do Vinicius, agora homem
feito, estava preso, por tráfico de drogas! A mãe – encontrei-a também na internet –
movia um processo contra o Estado que durava quase três décadas. Fui fuçar que
processo era aquele, que história era esta???
E foi como se de repente o tempo
voltasse, e eu me visse às voltas com o jovem de dezessete anos que eu conhecera, cheio de vida,
alegre, lindo. E eu só conseguia soluçar, a tela embaçada pelas lágrimas
abundantes, a falta de chão e de ombro amigo que pudesse me consolar.
A mulher, mãe do filho do Vinicius,
movia um processo tentando obter ainda, depois de tanto tempo, uma indenização do
Estado, pois seu marido havia morrido, aos vinte e três – vinte e três – anos de
idade, eletrocutado por um raio durante uma chuva que inundou toda a cidade.